A maior aspiração de Buenos enquanto político era ser chefe da Polícia, não a polícia dele que, essa, ele detestava, porque achava que não passavam de gordos, parasitas e medrosos, mas a outra polícia. Os momentos mais felizes da sua alegre vida na Câmara tinha-os Buenos quando ocorriam eventos desportivos, em que a Polícia estava em peso. Buenos chegava ao local de forma triunfal, colocava-se em sentido e batia a continência aos agentes. A seguir iniciava aquela amena cavaqueira em que assuntos como o futebol, o governo e gajas vinham ao de cima. Quando via algum opositor entre a assistência, Buenos aproximava-se dum agente e iniciava um banal diálogo sobre o tempo, os turistas ou o aumento de vencimentos dos agentes, sempre com o polegar apontado para trás para dar a entender que o tema de conversa era esse tal sujeito e que supostamente estaria a dar instruções para o deter. Olhava várias vezes para trás e ria-se. Os mais incautos amedrontavam-se e fugiam com receio de serem detidos. Já foste meu marmelo, dizia Buenos triunfante.
Já da sua polícia Buenos, se pudesse, mandava-os a todos plantar couves para o campo. Cambada de malandros, dizia ele para os correligionários políticos.
Recorda com frequência um episódio ocorrido numa conhecida praça da cidade, em que mais uma vez teve que apelar aos serviços dos amaldiçoados agentes.
São Félix era o empreiteiro que ganhava todas as obras na cidade. Ganhava ele as obras e Buenos prendas, como relógios caros, viagens, automóveis topo de gama e até apartamentos que ele combinava para que continuassem em nome do construtor para não levantar suspeitas, não fosse algum energúmeno da oposição denunciar junto das autoridades.
O São Félix ganhou a construção dum parque de estacionamento subterrâneo, mas exigiu a Buenos que todo o estacionamento à superfície fosse pago e bem pago, mais caro do que debaixo da terra, de forma a que todos passassem para o andar de baixo e ele tivesse mais lucro e pudesse dar mais prendas a Buenos. Este tipo de conversa deixava Buenos louco de felicidade.
O problema é que ninguém gostava de pagar parque só para ir ao banco, tomar um café ou ir almoçar a casa da sogra. E Buenos sabia disso perfeitamente, tanto que aproveitava os locais de cargas e descargas para deixar lá o seu carrinho, enquanto tratava dos assuntos que o apoquentavam no dia-a-dia.
Até que um dia o local estava todo ocupado e Buenos não tinha lugar: filhos da pruta que me andam a dar cabo da vida, vociferava ele. Ligou para o Bino, chefe da polícia e perguntou:
Onde tão teus homes pá?
Tão a trabalhar.
Chama-os já aqui para vir multar estes caragos que abusam da pacência dum home.
Lá chegados os agentes trataram de cumprir ordens, vindas de dentro do automóvel de Buenos, o qual se escondia para o pessoal não saber que era ele que estava por trás da malfeitoria.
O primeiro a ser multado ia ser um BMW, mas o agente foi rapidamente dissuadido: pá esse não boi, deve ser do Doutor Celestino, és tolo? Multa aí esse Fiat 127.
De repente chega o dono: questa merda pá?
O senhor está no cargas e descargas.
Estou porque estou a descarregar.
Vai lavar as cuecas pá! Ouviu-se de repente.
Espaço livre e Buenos ocupa a seu bel-prazer, toma um café, vê se a conta bancária já está a actualizada com o vencimento do empreiteiro e ainda foi dar um beijo à mulher que tinha uma nova funcionária a quem ele andava a piscar o olho.
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